Miley Cyrus no Meo Arena

Existe, definitivamente, uma Miley Cyrus pré-Bangerz (o seu ultimo álbum) e uma pós, ou não tivesse a cantora concentrado as mais de duas horas de concerto no Meo Arena nas canções desse disco, cuja música e campanha promocional a si associada marcam o corte radical feito com a imagem inocente de quando era conhecida pela personagem Hannah Montana. 

É verdade que ao longo do último ano montou-se um autêntico circo mediático em torno desta nova Miley Cyrus, que dá todos os seus passos com o intuito de provocar diretamente quem a “consome”, tendo encontrado na exposição mais sexualizada o veículo ideal para atingir os seus fins. No entanto, este mediatismo que se gerou à sua volta não significou uma casa cheia neste seu regresso a palcos portugueses, quatro anos depois de uma passagem pelo festival Rock in Rio-Lisboa. Podiam-se apontar várias possíveis razões para justificar o facto do Meo Arena se ter ficado pela meia sala no domingo à noite, como a crise no País, a data do concerto, o preço dos bilhetes, o facto de alguns pais não quererem levar os seus filhos a um espetáculo que vive da provocação mais imediata, mas a verdade é que Miley não se deixou abater pela sala meio vazia que teve à sua frente. Em Lisboa a cantora apresentou um espetáculo exuberantemente pop, onde habitam tantas referências visuais que torna esta atuação uma montra viva do Tumblr, onde ora existem animações semelhantes a Ren & Stimpy ora existem gatos no espaço, um cão gigante com raios lazer a saírem-lhe dos olhos ou um cachorro quente de grandes dimensões que é montado pela própria cantora (e em cima do qual acena aos admiradores). Os bailarinos tanto se vestem de bonecos de peluche como de isqueiros em tamanho gigante. Não faltou o inevitável twerk, as palmadas encenadas nos rabos de todas as bailarinas, entre elas uma anã que apareceu pela primeira vez em palco com uma máscara de Britney Spears, os dedos do meio em riste no ar e as línguas de fora. Miley Cyrus serve-se do que tem à mão para criar uma espécie de musical que vive do exagero e do choque, sem servir uma narrativa propriamente lógica, mas também sem cair no refúgio de mostrar quaisquer remorsos pela dimensão quase caricatural que o seu espectáculo assume. É essa dimensão tão exagerada que torna este um espectáculo de puro entretenimento, dinâmico e onde o tempo passa a voar. Aliás, as duas horas e meia de espectáculo passaram sem nunca se arrastarem porque domina o dinamismo, sem momentos “mortos”, mas com uma atividade que talvez seja fruto dos ensinamentos das dinâmicas das redes sociais, onde tudo tem de ser consumido o mais rápido e intensamente possíveis. O cenário de palco estava em constante mutação. Se ao início apareceu deslizando sobre a “sua” língua gigante, pouco depois já surgia em cima de um carro, envergando um reduzido vestido de notas de dólar, que a própria ia atirando sobre os fãs das primeiras filas. Mais tarde a cantora era “perseguida” por um monstro gigante que muito se assemelhava ao Popas da Rua Sésamo (durante a canção FU), mas logo de seguida subia a uma cama gigante, onde quase simulou atos sexuais com os seus bailarinos (no tema #Getitright). Por mais estranho que pareça, esta última canção acabou por ser repetida, uma vez que o concerto estava a ser filmado para uma posterior edição em DVD, algo que aconteceu novamente com On My Own. Estas repetições acabaram por quebrar, momentaneamente, com a fluidez do espectáculo, além de terem transformado o Meo Arena numa espécie de tubo de ensaio. Apesar da mudança radical que a cantora projectou ao longo deste último ano, em palco não esqueceu as raízes country onde começou a dar os seus primeiros passos. Do My Thang, por exemplo, evoluiu da produção hip hop que caracteriza a canção em disco para uma aproximação ao country hillbilly. E recordou ainda esse clássico que é Jolene, da sua madrinha Dolly Parton. Esta canção foi interpretada já num palco montado no centro do público, onde o espalhafato visual era posto, momentaneamente, de parte. Aí cantou ainda You're Gonna Make Me Lonesome When You Go, de Bob Dylan (e durante o qual provou que, se quisesse, poderia ser uma belíssima cantora de country, tendo uma amplitude vocal que nem sempre lhe é reconhecida devido ao circo de polémicas que se gera à sua volta), There is a light that never goes out, dos Smiths, cuja audiência, maioritariamente adolescente, desconhecia, o mesmo não se passando com Summertime Sadness, de Lana Del Rey, The Scientist, dos Coldplay, e Hey Ya, dos Outkast. Antes desta sucessão de canções de outros artistas a cantora já tinha feito uma versão de Lucy in the sky with diamonds, o clássico dos Beatles que, como a própria recordou, integrará o álbum With A Little Help from My Fwends, dos Flaming Lips. O final do espectáculo foi épico como se exigia, com os singles We Can”t Stop e Wrecking Ball no primeiro encore (interpretadas a viva voz pelo público, claramente ansioso para as ouvir) e Party in the USA no último encore, esta última dando azo a uma festa em palco onde povoavam bailarinos vestidos de Abraham Lincoln, da Estátua da Liberdade ou até do Monte Rushmore. Entretenimento puro, sem espaço para subtilezas, onde o que interessa é o impacto imediato e Miley soube conduzir um espectáculo destes moldes na perfeição.

(fotografia de Gonçalo Villaverde/Global Imagens,texto originalmente publicano no DN)

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