Sobre a “integridade estética” ou “Então e não proíbem a distribuição de panfletos!?”

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“Corujinha desenhada à mão” violentamente gamada à Gui Castro Felga ;)

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Coisas giras aprovadas ali no Conselho de Ministros [19.Junho/2013]:

“O Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei que estabelece o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração, ainda que temporária, das características originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios, muros, e outras infraestruturas.

Esta proposta de lei visa dotar as autarquias e demais autoridades administrativas e policiais de instrumentos que têm em vista melhor prevenir e reprimir ações de vandalismo e a utilização desregulada dos espaços públicos, desrespeito pelo património e pela propriedade, preservando o espaço urbano.”

Ainda não li a tal proposta de lei e precisava de mais tempo para comentar estes dois belos parágrafos, mas aqui ficam estas breves notas:

1 — Já existe uma lei sobre “isto” (“Afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda”): Lei n.º 97/88, alterada pela Lei n.º 23/2000.

2 — A Assembleia Legislativa dos Açores tinha agendada para ontem (18.Junho/2013) a apresentação de uma proposta de lei com um título muito parecido: “Regime aplicável aos grafitos, afixações selvagens, picotagem e outras formas de alteração”. Mais info aqui.

3 — O Tribunal Constitucional já se pronunciou vária vezes sobre este assunto (propaganda & liberdade de expressão). Neste acórdão de 2006 [pdf no DRE] há muita informação relevante; transcrevo aqui apenas as partes mais pertinentes.

  • Decisão

“o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação das disposições (…) da Constituição, das seguintes normas do decreto legislativo regional que “Define o regime de afixação ou inscrição de mensagens de publicidade e propaganda na proximidade das estradas regionais e nos aglomerados urbanos”, aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em 7 de Março de 2006:

[…]

b) da norma que se extrai da conjugação do nº 2 do artigo 3º com o n.º 1 do artigo 5º, na medida em que proíbe a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda, na área de cada município, em espaços e lugares públicos, fora dos locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais;”

  • Fundamentação

“5.2. Caracterização jurídico-constitucional da propaganda como manifestação da liberdade de expressão.

O Tribunal Constitucional foi, desde o início da sua existência, confrontado com a questão de saber se, e em que medida, a liberdade de propaganda, designadamente político-partidária, estaria garantida pelo artigo 37º da Constituição, preceito respeitante à liberdade de expressão.

Ora, da jurisprudência então produzida resulta inquestionável, e como tal tem sido repetidamente afirmado (cfr., designadamente, os Acórdãos nºs 74/84, 248/86, 307/88 e 636/95 (…) não só uma determinada caracterização do direito de liberdade de expressão, mas também que a propaganda (nomeadamente, mas não apenas, a propaganda política), é uma forma de expressão do pensamento abrangida pelo âmbito de protecção daquele preceito.

Na verdade, por um lado, o citado artigo 37º, que a todos garante “o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” está inserido no Capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais) do Título II (Direitos, liberdades e garantias) da Parte I (Direitos e deveres fundamentais) da Constituição, situando-se, para utilizar a expressão constante do Acórdão n.º 74/84 já citado, num “domínio especialmente protegido”, o da reserva de lei. E, como se afirma no Acórdão n.º 636/95, que se pronunciou precisamente sobre a compatibilidade com a Constituição de vários preceitos da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, na parte em que dispunham sobre o regime da afixação e inscrição de mensagens de propaganda, “incluindo-se no domínio especialmente protegido dos direitos, liberdades e garantias enunciados no título II, este direito apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: é, desde logo, um direito ao não impedimento de acções, uma posição subjectiva fundamental que reclama espaços de decisão livres de interferências, estaduais ou privadas.” Por outro lado, como igualmente se afirmou, desde logo, no citado Acórdão n.º 74/84, “a liberdade de expressão, que o artigo 37º, n.º 1, garante, compreende o direito de manifestar o próprio pensamento (aspecto substantivo) e bem assim o de livre utilização dos meios através dos quais esse pensamento pode ser difundido (aspecto instrumental), designadamente para o efeito de fazer propaganda de carácter político-partidário”. Daí que nesse mesmo acórdão se tenha afirmado, que, quando os órgãos municipais autárquicos vieram estabelecer, na norma então posta em causa, “que certos modos de exercício da liberdade de expressão de pensamento — justamente os relativos à actividade de propaganda político-partidária, quando feita fora dos locais a tanto destinados pelo artigo 1.º da postura — ficam dependentes de autorização camarária”, estavam, dessa maneira, a “restringir a liberdade de expressão de pensamento, consagrada no artigo 37º, n.º 1.”

Assim sendo, isto é, caracterizada a liberdade de propaganda, do ponto de vista jurídico-constitucional, como uma forma de liberdade de expressão, há agora que indagar qual o sentido e alcance da reserva de competência legislativa nessa matéria.

[…]

Da jurisprudência acabada de citar resulta, em síntese, que tudo o que seja matéria legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa (artigo 18º da Constituição), há-de constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei parlamentarmente autorizado. O que vale por dizer que qualquer introdução no ordenamento jurídico de uma disciplina jurídica inovadora sobre liberdade de expressão, nomeadamente sobre propaganda, não pode, seguramente, deixar de ser efectuada nos termos acabados de enunciar, ultrapassando, necessariamente, os poderes legislativos e/ou regulamentares de quaisquer outras entidades que os possuam, aqui se incluindo as Assembleias Legislativas das regiões autónomas. Como afirmam, mais recentemente, Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, pág. 535), “a reserva abrange os direitos na sua integridade – e não somente as restrições que eles sofram”, “abrange todo o domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia, e não apenas as bases gerais dos regimes jurídicos” e “é para todo o território nacional; ainda que certa lei se aplique, por hipótese, apenas numa das regiões autónomas, o órgão competente para a emitir – tendo em conta os critérios constitucionais de distribuição de poderes – é a Assembleia da República, e não a respectiva assembleia legislativa regional.”

4 — Por fim, era giro comparar a tal proposta de lei com esta lei, nomeadamente os artigos 2 e 3 do anexo IV… [ah, sim, este anexo “estabelece os critérios subsidiários a que está sujeita a ocupação do espaço público e a afixação, inscrição e difusão de mensagens publicitárias de natureza comercial não sujeitas a licenciamento, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.]

"Artigo 2.º — Princípios gerais de ocupação do espaço público (…)

[A] ocupação do espaço público não pode prejudicar:

a) A saúde e o bem-estar de pessoas, designadamente por ultrapassar níveis de ruído acima dos admissíveis por lei;

b) O acesso a edifícios, jardins e praças;

c) A circulação rodoviária e pedonal, designadamente de pessoas com mobilidade reduzida;

d) A qualidade das áreas verdes, designadamente por contribuir para a sua degradação ou por dificultar a sua conservação;

e) A eficácia da iluminação pública;

f) A eficácia da sinalização de trânsito;

g) A utilização de outro mobiliário urbano;

h) A acção dos concessionários que operam à superfície ou no subsolo;

i) O acesso ou a visibilidade de imóveis classificados ou em vias de classificação ou onde funcionem hospitais, estabelecimentos de saúde, de ensino ou outros serviços públicos, locais de culto, cemitérios, elementos de estatuária e arte pública, fontes, fontanários e chafarizes;

j) Os direitos de terceiros.”

“Artigo 3.º — Princípios gerais de inscrição e afixação de publicidade (…)

2 — A afixação ou inscrição de mensagens publicitárias não é permitida sempre que possa causar danos irreparáveis nos materiais de revestimento exterior dos edifícios e que os suportes utilizados prejudiquem o ambiente, afectem a estética ou a salubridade dos lugares ou causem danos a terceiros, nomeadamente quando se trate de:

a) Faixas de pano, plástico, papel ou outro material semelhante;

b) Pintura e colagem ou afixação de cartazes nas fachadas dos edifícios ou em qualquer outro mobiliário urbano;

c) Suportes que excedam a frente do estabelecimento.

3 — A publicidade sonora deve respeitar os limites impostos pela legislação aplicável a actividades ruidosas.

4 — A afixação ou a inscrição de mensagens publicitárias não pode prejudicar a segurança de pessoas e bens, designadamente:

a) Afectar a iluminação pública;

b) Prejudicar a visibilidade de placas toponímicas, semá- foros e sinais de trânsito;

c) Afectar a circulação de peões, especialmente dos cidadãos com mobilidade reduzida.”

 

Portanto, já sabem: se quiserem escrever nas paredes, não se esqueçam de respeitar as regras, que a gente não quer isto aqui transformado numa baderna toda badalhoca sem condições de salubridade…

Sim, a integridade estética acima de tudo…

“Artigo 21.º — Condições de aplicação de letras soltas ou símbolos

A aplicação de letras soltas ou símbolos deve respeitar as seguintes condições:

a) Não exceder 0,50 m de altura e 0,15 m de saliência;

b) Não ocultar elementos decorativos ou outros com interesse na composição arquitectónica das fachadas, sendo aplicados directamente sobre o paramento das paredes;

c) Ter em atenção a forma e a escala, de modo a respeitar a integridade estética dos próprios edifícios.”

 

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— gamado à Alex Silvestre ;)

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