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Quase Sempre em P&B

@luciananepomuceno / luciananepomuceno.tumblr.com

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Li A palavra que resta em 2021, corpo e mente presos em pequenos espaços e o medo opressivo de ter perdido a capacidade de me encantar com o mundo, com os homens e com o que os homens são capazes de fazer. Mas foi aí que o meu amigo Fabiano indicou este livro e, confiando no Fabi como confio, corri e comprei o meu. Vai que. E foi. Fui. Porque um livro pode ser correnteza. De lá pra cá vi A palavra que resta receber prêmios e elogios, todos merecidos, porque é mesmo um livro incrível. Escrito com sensibilidade e que nos faz reencontrar a nossa. Eu percorri as 149 páginas soluçando. E fiquei e sou grata por me reconhecer ainda capaz de sentir. 

A leitura deste livro foi, também, um desbravar-me. A forma como as palavras se encontram, se alinham, se enlinham, se afagam é de uma beleza que me é familiar e estranha. Estranha porque tecido único, próprio do autor; familiar porque em ritmo que reconheço, talvez um certo sotaque cearense (pisc, pisc).

(CONTINUA)

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Nem sempre o que se pede é amor. Às vezes a gente quer só ser olhada com desejo, conversar de vez em quando sobre as miudezas do dia, trocar umas carícias e palavras mais tórridas, saber que se pode compartilhar o sentir das horas mais escuras e dividir a vontade de um encontro ou outro.

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É impressionante a capacidade que você tem de me machucar. Umas vezes, sem fazer nada. Algumas delas, justamente por isso. Hoje doeu o corpo todo. Adoeci. Coloquei a culpa no calor. Uma moleza, nem quis cozinhar. Ainda bem que milho combina com queijo. Acabei de ver a série dos 3 corpos e devo dizer que esperava mais dos corpos em questão. Mas tenho elogios: fumantes. Eu percebi que gosto, sim, de livros e séries de ficção científica (tal como de fantasia) mas se – e apenas se – o gênero for um recurso pra tratar das coisas simples e fundamentais de ser e fazer-se humano. A discussão conceitual, por si só, me entedia um pouco. Se me fosse dada a oportunidade de viver tudo de novo faria algo diferente? Nem sei se ia querer voltar. Preguiçosa. No balanço geral da vida, queria ter sido mais presente pra os amigos. Urgências na caixinha de entradas e saídas. Preciso trocar a fechadura. Preciso de uma massagem. Marcar os médicos. De uma nova bolsa. E de alguns sonhos. Vários livros na cabeceira. Insetinhos morrendo na luminária de teto. Sinto falta do teu desejo. Das palavras fora de ordem. Do olhar com fome. Das tuas mãos indo tão fundo em mim mesmo com todos os quilômetros entre elas e minha pele arrepiada. Acordar cedo, banho frio, roupa que não dá trabalho de vestir, papéis, papéis, papéis, desmarcar a análise, papéis, papéis, reunião, não tenho nada para dizer, não quero falar, não quero pensar, não quero existir ali. Aqui. Não quero a morte, não quero a vida, aceito um drinque colorido. Em todas as salas de escrita, ensina-se: observem o ambiente. Eu não vejo, eu não lembro, eu não registro. Por isso só escrevo dando voltas ao redor do vazio. Queria ter coragem de colocar o pix para receber doações na newscoisa, mas o superego – tão adormecido pra tanta coisa, por toda a vida – me vigia ferozmente. Muito difícil conciliar a ideia de taqui meu pix com queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que eu escrevi. Café de cápsula é tão sem graça. Bebo litros, mesmo assim. E sigo atualizando o site dos correios e me estarrecendo. Como é mesmo, Caio Fernando? meu deus ah meu deus como você me dói vezenquando.

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E tem este ganho colateral. Um bom romance policial muito raramente é sobre o crime investigado. O que importa, o que realmente importa, são os personagens e suas particularidades, seus motivos, impressões, temores, anseios. O que cobiçam. No que cedem. O que precisam, dolorosamente necessitam: aprovação, amor, poder, dinheiro, segurança. Suas paixões e seus segredos.

Eu disse suas seus? Eu devia ter dito minhas meus (e de cada leitor). Ler policiais me ensinou - e me ensina - sobre gente. 

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(...) Eu perdi todos os meus dias, não os encontro mais em mim. Os que tinha vividos, os que tinha pra viver, os que passei vagando sozinho numa casa cuja janela era a tela do computador, os dias sonhados, os dias chorados, os dias em que morri, morri, morri; todos misturados, em calendário inescrutável, dias que já não significam o que significavam, que não marcam e delimitam um corpo como faziam, sigo em dias que correm atrás do relógio e eu nunca me alcanço.(...)

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...Por exemplo: eu sei que poderia sentir um pouco da felicidade. Não toda, não pra sempre. Um vislumbre. Fragmento colorido. Uma tarde ou duas. No depois do sozinhos. Sentir. Sorrir. Mas como abrir mão da tristeza cultivada por tanto tempo que é quase a definição estrita de mim mesmo? Suspiro. Você tem o suspiro nos olhos - ela disse, numa noite que virou dia. Preparo o descarte do afeto contando que o silêncio discreto continue a se impor...

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