A neblina condensava-se como fumaça de charuto barato naquela noite de verão. Vento gélido, úmido, soprava de um rio distante pelas ruas desertas até a figura masculina que dobrava esquinas como nada mais que uma soturna aparição de capa. O piscar bruto e fugaz de um céu sem estrelas enunciava um temporal. Um flash de relâmpago — e então, Lorde Lucius Volhard contemplava, fixamente, o letreiro cujo contorno de letras ornamentadas revelava o trajeto final de sua estadia naquela cidade esquecida por Deus; o motivo que o guiara e impulsionara seu apetite e ambição até ali: a presença da necromante. Ele entrou sem aviso. A noite afora pareceu suspirar, e como se soltasse o ar que segurava dos pulmões, trovão ressoou dos céus e os respinguinhos de chuva começaram sua sinfonia cadente nos telhados acima. Lucius avaliou os arredores, a bengala entoando ao chão conforme caminhava com graça polida e imortal. Parou frente a uma prateleira. Mesmo diante da penumbra opaca do interior em sua pouca luz, ele ainda o enxergava com perfeita clareza. Mas, de fato, não precisava enxergar para saber que ela estava ali — não, o vampiro conseguia senti-la com mais lucidez e precisão aguda que qualquer alento sobrenatural que vibrava de cada canto da loja. Era um sussurro de sombras — do profano. De morte e magia. “É uma coleção impressionante, a que tem aqui”, ele diz, a voz grave e firme ali dentro. Não se vira de imediato quando a sente se aproximar. O Lorde abaixa a cabeça para fitar mais de perto o artefato de seu interesse, o chapéu tipo cartola projetando sombras sob seus olhos. “Não me admira que as queira manter escondidas do olho comum.” Só então, ele mira o olhar em @blxndwitch. Não sorri, mas o interesse é um contraste vivo nas íris ônix.
“Não teme que algum dia despertem o interesse de ociosos mal intencionados?”
Não é difícil, de fato, perceber o espírito de viondra ; enquanto os tolos a sentem como um mau agouro, uma mão mortal e gentil que os acaricia antes de ceifar-lhes a último sopro de vida, poucas são as criaturas elegíveis a um ínfimo vislumbre do que ela realmente é. Sua presença serpenteia pela loja feito uma força doentia e sedenta, invísivel, onipresente, deslizando pelas estantes ligeiramente empoeiradas, pelo papel de parede em detalhes negros cujo desgaste é discreto, mas real, pelos quadros grotescos de paisagens mortas, bem como pelos itens de caráter único, exibidos junto a uma plaquinha escrita em letra cursiva pela proprietária que identifica o ano e o título. A loja respira, e ao mesmo tempo não respira, exatamente como sua dona. Não é loucura, em definitivo, afirmar que ela o está vigiando⸻há uma névoa escura que paira sobre o visitante de bengala, sopra aos ouvidos dele sílabas funestas ininteligíveis. e assim como parece tão palpável quanto os objetos expostos nas prateleiras de madeira velha, simplesmente não existe, não está lá, mas oculta nas profundezas do estabelecimento, como um monstro que teme o mundo exterior mais do que qualquer outra coisa.
A presença de espírito subitamente parece se reunir sob as cortinas negras atrás da bancada da recepção. Sombras errantes se condensam num único ser : uma mulher de pele pálida, longos e negros cabelos ondulados que decrescem sobre seus ombros como uma cascata amaldiçoadamente sedutora. Viondra surge em um longo vestido negro, cujas mangas revelam ombros ossudos e escondem o restante dos braços, junto a um tule fino que se projeta do discreto decote até a metade do pescoço. Ela caminha firmemente, focalizado o olhar sobre o estranho visitante sem demonstrar nenhuma surpresa ou desagrado, simultâneo ao som do salto dos seus sapatos que batem contra o silêncio vagarosa e pacientemente, calculando cada passo, cada centímetro que percorrido, com uma eficiência assombrosa.
“ Não, ” Um rápido olhar denuncia o apreço que ela tem por seus pertences⸻cada um extremamente ligado a ela por uma história. A bruxa apoia as mãos sobre o balcão, mantendo respeitosa distância. “ ... seria uma mentira descabida dizer que eu me importo com a índole de quem vem à minha loja. Não julgo reis nem ladrões. ” Viondra ergue os olhos brancos, gelatinosos e sem vida, na direção da voz dele. “ ... algum deles é o seu caso, se me permite a pergunta? ”