Uma casa - e uma família - em ruínas
Querido diário, o dinheiro não é o suficiente para comprar uma casa. O dinheiro não traz cortinas, nem portas, nem gavetas, maçanetas ou janelas. Não traz recipientes que guardem felicidade. Não traz banheiros que garantam privacidade e, por fim, não traz quartos que protejam os corpos de suas deteriorações imateriais.
O dinheiro daqui, foi conquistado por trabalhos que afastaram essa família. O dinheiro foi conquistado para financiar a ganância de ter uma casa branca. O dinheiro, usado para legitimar a distância, a frieza, a fragilidade e superficialidade das relações familiares, foi o que construiu e ergueu esse prédio.
Mas o dinheiro some, murcha, morre. O dinheiro não constrói tudo. Ele constrói casas enormes, mas não constrói o cuidado, o amor, a paz, a alegria e a sobriedade de uma vida bem vivida. E o dinheiro durou por anos… até o dia que virou um espelho – refletiu o lado feio do lugar que, hoje, cai.
Após a metamorfose, as espirais das escadas ameaçaram cair. Os cupins começaram a roer os pilares. As aves arriscaram suas vidas para roer os fios de eletricidade. Colônias de bactérias preencheram os banheiros – os vasos, as pias, os chuveiros. A umidade tomou as paredes, formando arranhões e bolores. As aranhas preencheram os tetos com suas teias. O barro e a poeira se apossaram nos pisos, livros e cadeiras. E, à medida que a natureza invadia, o tempo nos afastava e dizia: “Apenas o amor constrói casas que duram”.
O tempo ajudou aqueles que, com companheirismo, ocuparam a casa. As cadeiras enferrujaram, as portas amoleceram e caíram, as tomadas foram deixando de distribuir energia, as madeiras ficaram ocas, as cortinas se rasgaram, os vasos quebraram, as gavetas emperraram, as maçanetas caíram, as janelas quebraram! E os habitantes morriam.
Um deles, percebeu: nem o tempo, nem o dinheiro e nem a natureza são os vilões. Eles apenas cumprem seus papéis. Um deles, percebeu: nem o álcool, que limpa os móveis, é capaz de limpar as feridas nos corações daqueles que viram a casa e o dinheiro ruírem. Curativos não tampam a panela de pressão do tempo. Quadros e tintas não escondem ruínas. Janelas e cortinas não isolam os monstros do lado de fora, uma vez que as bases de suas residências foram a ganância, a frieza, o desleixo e o esquecimento.
A casa, no entanto, não ruiu. Ela riu, porque o dinheiro virou um espelho. A casa, honesta, destrói as barreiras – portas, janelas – que escondem a frieza interna. A casa riu, afinal, ela refletiu as lutas e gritos e guerras. E, agora, o silêncio impera. Ninguém quer falar sobre o que a casa, com louvor, governa.